quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Amassou o papel onde antes escrevera o basalto russo, sem querer saber se lá outro verso talvez inacabado havia. Mencionara à mulher dos trajetos do leste, perguntou-se se foi dela um silêncio de inveja ou admiração. Descobrirá quando se deitarem outra vez, mas ela seguirá ignorante de por que tem com ele um sempre composto nome.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

O personagem principal tem a seu lado um papel onde se o basalto russo. Ontem, ele subia uma rua popular, quase aconchegante, quando reconheceu aqueles versos. Para um protagonista que já protagonizara quantos contos e um quase romance, história em que procurou pelo escritor que escreveu num verso de contracapa de livro seu, não é pouca coisa reconhecer versos.

O bar era um bar simples, perto do metrô, provavelmente cheirando não tão mal quanto o quiosque de cachorro-quente meia quadra abaixo. Estava atravessando a rua quando ouviu os acordes, em amplitude diversa da habitual - era som ao vivo.

A canção bastante conhecida de uma cavalgada noturna. O cantor que empunhava o violão talvez tenha sentido um nó na garganta, ou apenas esquecera a letra no justo instante em que nosso protagonista por ali passava. O fato é que silenciou quando os versos que viriam seriam da mulher os versos - mulher pela qual o personagem principal já qualquer coisa.

Agora, na maciez etílica de uma madrugada vindoura, gosta da recordação antes soviética que tem sobre o peito, e sabe que outra vez pisará aquelas pedras russas. Onde num ameno crepúsculo de verão viu a si mesmo refletido numa umidade que nem sabe mais se era do verso do olho, do chão ou da névoa inexistente que sentia estar sobre o escritor que, silencioso e ausente, o acompanhava.

sábado, 8 de setembro de 2007

A torneira quente ele abria primeiro. Ali regulava a temperatura do banho, já que da azul vinha praticamente sempre o mesmo volume de água.

Fora mandado embora pela mulher, vivera na rua por uns tempos. Cada dia dormindo num lugar. O antigo projeto do harém lhe ajudou, isso não podia negar. Algumas torciam o nariz, outras não gostavam mesmo, mas o recebiam. Eventualmente, apelava para os amigos – esses, sim, se surpreenderam. O cara não era disso.

No trem foram poucas noites, menos do que nas estações. Das que passou fora de fato, o mais que fez foi cruzá-las desperto. Em muitas, um tanto bêbado – de não ter nem memória de uma meia dúzia delas.

Apesar do pouco estudo, se expressava bem. Tanto para complicar quanto para esclarecer. Quando bebia, misturava raciocínios complexos com outros mais simples. Num dos porres, conversou longamente com um outro ébrio que se escorava por ali. Havia até uma brisa, mas nada muito frio.

Esperto e bondoso, percebeu que o companheiro era pouco ilustrado. O que não impediu que fizesse a pergunta:

- Que passa?

- Pé na bunda.

- ...

- Contigo?

- ... o quê?

- Que que deu?

- Nem sei mais.

Influenciado por um livro qualquer e com uma palavra nova na boca, entra no banho. Lembra da mulher, mas não sente falta.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Diante do reflexo da própria imagem no sábado em que Cristo ainda está morto para os fiéis - também para os infiéis -, o protagonista sente na pele descoberta a brisa do inverno que se aproxima. Recorda-se do romance, um onde o fotógrafo tanto distorce em espelhos côncavos e convexos suas modelos que as desfigura, e se pergunta por que o aleluia lhe badalando o peito é insuficiente para amenizar a dor do Calvário individual que ele hoje - ao contrário de quando iniciou sua pregação particular - quase teme aceitar. Com a soberba característica, esquece que não tem pregos nos pulsos, nas canelas. E reclama de si para si não ter também a quem questionar das razões de um abandono de antemão conhecido. Triste e só, tem sede; é contínuo o amargo que experimenta nos lábios. A essa idade, aquele que amanhã ressuscita ainda não começara a falar. Apesar de viver com uma former prostituta e saber daquilo que em seguida começaria a cumprir.

domingo, 2 de setembro de 2007

O azul do céu - se alguém estivesse entre o firmamento e a protagonista poderia ver - é o mesmo das vistas que agora olham esta praticamente primeira estrela. Seria difícil para um suposto observador dizer qual dos contrastes é maior. Se uma estrangeira tão estrangeira pisar estas pedras, se ter um antagonista tão antagonista como companhia, ou se a simples diferença entre a cor dos olhos e do céu diante do Kremlin que ambos admiram e o anil cobre.

Os paralelepípedos russos estão úmidos - não é da chuva dos dias anteriores, é apenas o anoitecer. São onze e meia, falta pouco para as doze. O antagonista anota qualquer coisa na espécie de diário que carrega. Será que não confia na própria memória? Descobrirá, como a nossa personagem principal, que certos ambientes e sentidos são mais fortes que nós mesmos.

Ela já havia chegado a essa conclusão, mas não será desonesto o pensar do aéreo voyer quando a vir trazendo a cabeça do queixo para o alto, respirando fundo e fechando os olhos, depois de mirar aquela lua mais uma vez. É quase medo o que brota do corpo, das vistas azuis da protagonista - será que terei em mim um pouco que seja do que sinto aqui?

Não, este que (sabe-se lá como) está entre o céu e o antagonista e a protagonista não erra ao supor ser esta a preocupação que acaba de se esvair da mente da jovem adulta; mas já bastante adulta.

A surpreende, agora, longos meses depois de ter estado lá, experimentar na plenitude do que é a intensidade do que viveu no eterno instante em que a Praça Vermelha era ela também. O antagonista, refém da nacionalidade, abandona o tio como quem nada contra uma corrente de sangue mesopotâmico, na tentativa brava e inútil de manter pelo menos a própria dignidade.

A improvável dupla vai embora, os toques das cochas e uma mão deixada cair pelo antagonista tenham talvez sido barrados também pela imponência unificada que está até - e principalmente - nas cortinas do Bolshoi.

- Niet!

É só o que entendem, mas compreendem muito mais do que isso.

No bloquinho, o nome de Lênin como no mausoléu, uma breve descrição da cena - em duas, três linhas. A sequência da ópera não poderia ter melhor final que um antagonista e uma protagonista neste cenário em que vistas femininas e um firmamento se admiram.

O chão está úmido, assim como dela os olhos. Não pelo frio - estamos no meio do ano.