sábado, 23 de junho de 2007

O escritor observa, do outro lado da rua. Acompanha o protagonista desde a capital, desde os trechos lá percorridos e unificados por decreto - assim como foram separados. O personagem principal não chega a mancar, mas o escritor, que tanto permeia os caminhos deste estrangeiro, já antes do metrô quase derradeiro percebera que um dos pés incomovada. Do lado de fora, viu quando mergulhou os dois em água quente e os apertou bastante antes de calçar o calçado antigo - a causa do desconforto neste momento acentuado, mas que sentia há dias. Há uma certa neblina na madrugada de outono na cidade portuária, o frio relembra o protagonista da voracidade desse inverno, que não faz distinção entre leste e oeste - conhece apenas o que é norte e sul. São quatro ou cinco longas quadras da estação ao pouso, postado em frente ao mercado onde ambos compraram qualquer coisa para o almoço no meio da tarde, e por cuja calçada vai o escritor. A mesma calçada onde comeu, de pé no chão sem sol, antes do lava-pés individual.

Isso o escritor não vê, mas sorri o personagem principal. Sorri da dor que se espalha dos calcanhares para todo o pé a cada passada, sorri porque chega a tempo de não ter que esperar longos minutos para poder entrar novamente, e sorri porque se lembra do que acabou de fazer. Sorriso esse que colabora com a umidade dos olhos coloridos, mais aguados não só pela ardência da amena brisa que bate no rosto de ambos. Chega, e é recebido com uma preocupação que o enternece, cena que o escritor outra vez já não vê, pelas cortinas. Assim como não viu - ou não percebeu - quem abraçou e tomou conta do bêbado infeliz e inconveniente que atrapalhava a todos ao redor, lá onde tudo se deu. Aí está por quê, na bela manhã de sol seguinte, ficou sem compreender a expressão de surpresa do protagonista quando vê passar pelo corredor do trem lotado aquele provável mesmo cidadão. É de fato uma coincidência e tanto, mas não comenta nada com a mulher - a vista dela assim tão próxima logo o faz esquecer. Mais que isso, o escritor não consegue ver. Outra vez uma cortina, fechada pelo alemão desgostoso com o barulho da conversa.