sexta-feira, 27 de julho de 2007

O lusco-fusco já o incomodara mais. Começava a esfriar, o sinal fechou, e reconheceu o carro na queimada luz de freio. A coadjuvante do protagonista assume involuntariamente seu papel, abre o vidro. Mão na nuca, sob o cabelo, o cotovelo se apóia na janela. É frio para o personagem principal. No outro dia saberá que a viu.
Faz bastante tempo da última vez em que nosso personagem principal fez qualquer coisa que se assemelhasse aquilo que ele já se imaginara nascido para fazer. Triste, com uma tristeza quase alheia a esta Sexta-feira da Paixão, busca com desespero olhar para si através daquilo que tem diante das vistas. Pouco se reconhece. Suspira... Inutilmente. A vida lhe parece congelada num instante único de angústia. Enquanto segue sem fazer nada, por pouco não lacrimeja o amargo sorriso de quem sente nos dias o enfado da espera por aquele que será, de fato, derradeiro.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Distante do único lar que teve, o protagonista tenta escrever a história de uma mulher, mas só o que tem na mente são seus próprios olhares.

- Qual o autor que ainda não encontraste?, pergunta o brilhante dramaturgo no contundente programa de entrevistas.

Como qualquer telespectador, o personagem principal faz a si mesmo a pergunta. A obviedade chega a lhe incomodar, mas sorri.

Pedante, responde... de si para si.

domingo, 15 de julho de 2007

Algum horário qualquer, de madrugada. Um limbo onde todos e cada um sobrevivem, emergindo ou submergindo para seu breu particular. Alguns, começando o serviço. Outras e outros, em final de expediente. Uma puta, já sabedora das notícias de seus clientes, ainda está lá, firme na rua da espera pelo último lucro que lhe virá do meio das pernas. Mas ouve o que lhe relata o homem das novidades. O jornaleiro atrasa a entrega para seu téte-a-téte quase matinal com a prostituta conhecida sua. Ambos, solidão compartilhada, antes de mais um amanhecer sombrio.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

A sala tem qualquer coisa de medieval. Além da ampla porta de madeira principal, as outras são poucas e pequenas – como as janelas. O homem mantém com sutil mudança de tom e leve incremento a postura sedutora. Mas a mulher logo percebe que há outra – escondida? – atrás daqueles tijolos. Vai tentar a segunda portinha quando retorna, e a briga se dá com ele dizendo para ela não entrar, porque vai se perder:

- Então serão duas, e não uma, que guardarei aí dentro.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Talvez inconscientemente, o protagonista se preparara. Homem atento, já vira muito – mesmo que para ele ainda não o bastante. Olhara bem nos olhos de alguns dos tantos que encontrara, e nas vistas de alguns dos alguns enxergara. Enxergara a loucura. Até a noite clara, noite em que não lhe tremeu a base do olho, noite em que reconheceu aquele mesmo olhar nos seus próprios olhos. Ele, que sempre soube vê-la nos olhos dos outros. A mulher... não a viu.