terça-feira, 26 de junho de 2007

O personagem principal já se lançara na busca de um escritor que escrevera um verso na contracapa de um livro seu. De longe, observa a mulher a escrever não no verso, mas na folha em branco que comumente antecipa os romances. Mal sabe ela do já quase pleno desapego do destinatário por aquelas palavras - sim, é uma dedicatória a sair das mãos e do peito da involuntária antagonista. O escritor, de bem mais perto, verá a incerteza e a boa vontade do protagonista com aquelas linhas. Repudia o banal da declaração, mas sabe reconhecer nos termos da frase mal construída elementos de seu próprio interesse. Ao ler, o personagem principal sentiu-se como uma equação sem raízes na prancheta de um engenheiro mediano. Mais tarde, ainda mais próximo, o escritor dá vazão ao desejo pueril e arranca. Arranca a folha e no verso em branco esboça um também africano relato da busca pela ignorância humana, desaconselhável "vício" e nada "admirável desafio intelectual" – que ela não abandona.

domingo, 24 de junho de 2007

Acena para o imponderável nosso personagem principal. Olha para o céu estrelado como quem sabe o que vê. As mãos não as ergue, mas respira fundo e enche o peito com o ar salgado que os envolve, a ele e à mulher dos ossos agudos. Estivera o protagonista diante de outros mares, molhara os pés numa água que ali já não era mais doce, lá onde o rio desemboca. A ossuda se lembraria desse instante com carinho, caso o vivesse – não estivera lá. Isso fora poucos meses antes. Agora, com a noite de poucas luzes da distância de qualquer urbanidade, sente-se oprimido. Oprimido pela angústia de quase não suportar o amplo quinhão de mundo que o mundo lhe oferece. Mais tarde, muito vai tossir. Um dia pensará sem qualquer pesar que a secura e o vigor daquela tosse sem catarro não vinham apenas de um corpo que se deita e de uma gripe curiosa. Pontuda, mas aflita, quase proibida de se aproximar, a mulher pouco sabe o que fazer – o sexo, aceita. Sofria ele sozinho com o redobrado tossir seco do suor de um pulmão ofegante. Mira as estrelas, uma que lhe parece familiar. Havia se esquecido de como é alto o firmamento. Do outro lado desse mesmo mar que está respirando, o protagonista redescobrira também a amplidão dos caminhos – coisa que não impede o referido firmamento de cobri-los todos. Mesmo que às vezes repita estrelas.

sábado, 23 de junho de 2007

O escritor observa, do outro lado da rua. Acompanha o protagonista desde a capital, desde os trechos lá percorridos e unificados por decreto - assim como foram separados. O personagem principal não chega a mancar, mas o escritor, que tanto permeia os caminhos deste estrangeiro, já antes do metrô quase derradeiro percebera que um dos pés incomovada. Do lado de fora, viu quando mergulhou os dois em água quente e os apertou bastante antes de calçar o calçado antigo - a causa do desconforto neste momento acentuado, mas que sentia há dias. Há uma certa neblina na madrugada de outono na cidade portuária, o frio relembra o protagonista da voracidade desse inverno, que não faz distinção entre leste e oeste - conhece apenas o que é norte e sul. São quatro ou cinco longas quadras da estação ao pouso, postado em frente ao mercado onde ambos compraram qualquer coisa para o almoço no meio da tarde, e por cuja calçada vai o escritor. A mesma calçada onde comeu, de pé no chão sem sol, antes do lava-pés individual.

Isso o escritor não vê, mas sorri o personagem principal. Sorri da dor que se espalha dos calcanhares para todo o pé a cada passada, sorri porque chega a tempo de não ter que esperar longos minutos para poder entrar novamente, e sorri porque se lembra do que acabou de fazer. Sorriso esse que colabora com a umidade dos olhos coloridos, mais aguados não só pela ardência da amena brisa que bate no rosto de ambos. Chega, e é recebido com uma preocupação que o enternece, cena que o escritor outra vez já não vê, pelas cortinas. Assim como não viu - ou não percebeu - quem abraçou e tomou conta do bêbado infeliz e inconveniente que atrapalhava a todos ao redor, lá onde tudo se deu. Aí está por quê, na bela manhã de sol seguinte, ficou sem compreender a expressão de surpresa do protagonista quando vê passar pelo corredor do trem lotado aquele provável mesmo cidadão. É de fato uma coincidência e tanto, mas não comenta nada com a mulher - a vista dela assim tão próxima logo o faz esquecer. Mais que isso, o escritor não consegue ver. Outra vez uma cortina, fechada pelo alemão desgostoso com o barulho da conversa.